O Duomo, no alto de uma das três colinas que constituem a Siena antiga.

“Segundo as palavras de Santa Caterina da Siena, a cidade é uma imagem da alma: os muros que a circundam estão a significar o limite entre o mundo exterior e o interior; as portas são os sentidos ou as faculdades que ligam o interior com o exterior; o intelecto, diz a Santa, examina todos os que se avizinham da porta, distinguindo os amigos dos inimigos, e o livre-arbítrio cuida da segurança da cidade. Nela jorram fontes; sob a proteção de seus muros há jardins, e no centro, onde está seu coração, se vê o Santuário.

“Siena, por ter sido edificada segundo este simbolismo, realiza essa semelhança; ela é uma imagem da Alma. E, como a alma, ela é transfigurada pela luz: quando, no começo da manhã, de um dos jardins que se voltam para o vale, antes ainda que os ruídos do dia cubram o trilar da andorinhas, se vê a primeira luz dourada inundar a cidade que se ergue altaneira, ou quando à noite, de São Domenico se admira o último raio de sol inundar as casas e as torres com um vermelho de fogo, enquanto o Duomo, tornado de madrepérola e de jaspe, parece muito leve e por fim brilha sozinho diante do céu resplandecente, então se vê Siena como aquilo que ela era no espírito de seus construtores: uma cidade sagrada.” (Titus Burckhardt, em Siena, Cidade da Virgem)

San Domenico, onde estão as relíquias de Santa Caterina.

“Na construção ‘sagrada’ da cidade de Siena, podem-se reconhecer dois tempos ou fases: a primeira é evidente na imagem da velha cidade recolhida em torno ao Duomo; este a domina como a rocha de Sion, como o Templo dominava Jerusalém; a segunda se delineia na posição dos conventos e de suas igrejas, que, isolados como em baluartes nos extremos confins das três partes da cidade, montam guarda: San Francesco no leste, no oeste San Domenico, no sul Santo Agostinho e Santa Maria dei Servi a sudeste. A presença destas igrejas conventuais no extremo limite da cidade, mas ainda dentro dos muros, é testemunho de uma época em que o ascetismo monástico, que antes se mantinha o mais possível longe da vida urbana, é trazido para dentro da cidade. (…) O quando a comunidade citadina fosse ainda permeada, neste período, da consciência do divino, parece evidente nos eventos que precederam a batalha de Montaperti, quando a inteira população, com as orações, as penitências e com a consagração da cidade à Santíssima Virgem, forçou o Céu a socorrê-la.

“Exatamente no período em que esta unidade teocrática da cidade começa a dissolver-se, as ordens pregadoras e caritativas se inseriram na vida pública, ergueram seus castelos espirituais nos limites do centro habitado, reconstruindo a ‘cidade da alma’.

“Na segunda meta do Trecento, enquanton o influxo dessas ordens era absorvido e quase sufocado pela vida mundana, toda a espiritualidade que tinha tornado Siena bela e santa se reuniu mais uma vez, quase a contrastar com a ruína iminente, em modo total e imediato, na figura única de Santa Caterina. Em virtude de suas ações e de suas palavras, todas as pias tradições que até então podiam se mostrar como uma representação sagrada vivida pelo povo simples de modo pueril e inconsciente, agora de uma vez se erguiam fora da esfera do puramente pitoresco e habitual, assumindo um significado profundo.” [Titus Burckhardt, Siena.]

O monograma difundido por São Bernardino: Iesus Hominum Salvator.
Santa Caterina da Siena num nicho de uma casa.
Santa Caterina em uma placa no muro de uma casa.
O monograma sagrado IHS sobre a porta de uma casa.
Infelizmente, o antigo quarto de Santa Caterina foi decorado com pinturas humanistas, arte religiosa, mas não sacra. Aqui é retratado o momento em que a Virgem Santíssima deu para ela carregá-lo o Menino Jesus.
A pintura que Andrea Vanni fez da Santa Caterina. Está na Igreja de San Domenico. Ele tinha sido discípulo dela.

Para mim, Siena é principalmente Santa Caterina. A presença dela em sua casa, o Santuário Casa, é para mim evidente. Uma grande, grande santa.

Diz Titus Burchardt: “…a fala forte e cantada da Toscana que ainda hoje dá graça às mulheres de Siena, como a dança enobrece o corpo, torna-se música da alma em sua boca [de Santa Caterina]. Se, na história literária de Siena, há algo que possa se comparar com a poesia do grande florentino [Dante], são realmente os escritos de Santa Caterina.”

E seu biógrafo Raimundo da Capua, beato, diz: “Não obstante seus escritos sejam sob todos os pontos de vista dignos de louvor, nem basta eu para louvá-los o quanto merecem, contudo eles são bem pouca coisa em comparação com seu modo de falar nas relações com os homens. O Senhor a tinha dotado de uma linguagem eruditíssima para que soubesse falar em qualquer lugar, e as finas palavras ardiam como pequenas chamas, nem havia alguém que, escutando-a, pudesse se subtrair ao calor daquelas palavras ardentíssimas…” Lembrando que Santa Caterina era analfabeta. Mas ditava numerosíssimas cartas, e seu livro Diálogo da Divina Providência foi ditado inteiramente em êxtase, ou seja, foi inspirado.

A Torre del Mangia é altíssima. É enorme. Siena foi uma cidade muito poderosa.
Vista da parte do Duomo que não foi continuada.
Il Campo.
O Duomo.
Madonna degli Occhi Grossi, a imagem sagrada à qual os cidadãos de Siena “deram” a cidade antes da batalha de Montaperti.

* * *

No “Il Campo”. O Monograma Sagrado está no fundo.
Na casa de Santa Caterina da Siena.
Uma das incontáveis ruas de Siena, que em geral estão tomadas de turistas.
Esta foto fizemos em San Gimignano, pouco antes de irmos para Siena.

Fomos a Siena duas vezes. Na primeira, com Fátima, Ari, Sabra e Kai, passamos ali duas noites. Na segunda, com Stella, ficamos uma noite.

Para mim, é evidente que Siena é uma cidade sagrada. Parece-me que seu coração espiritual é a casa de Santa Caterina. A Adriana também teve essa impressão. Talvez esse coração, supõe a Beatriz, possa ter se deslocado do Duomo para lá. Quem sabe?

O Duomo em si tem uma decoração não tão interessante, mas novos afrescos foram descobertos recentemente na cripta do Duomo. Eles mantiveram toda a força das cores originais.

São arte sacra, ainda.
Relicário de San Galgano.

Em Siena pudemos ver uma exposição, na cripta, do Relicário de San Galgano, com fragmentos sacratíssimos, como um prego da Cruz, relíquias de Virgem, de São João Batista e de muitos outros santos. Eu fiquei muito tocado pela presença daquelas relíquias. As pessoas, infelizmente, prestavam atenção ao relicário, feito de ouro. Mas o verdadeiro ouro são as relíquias!

Lemos “A função das relíquias”, de Schuon, para nos lembrar da importância. As cidades da Itália estão cheias de relíquias.

Eu reli Siena, Cidade da Virgem, de Burckhardt, e é uma obra-prima.

Ele explica a queda da unidade teocrática da cidade, seguindo o modelo de Platão. E dá trechos lindos de escritos de época, como a carta de Santa Caterina sobre o condenado que se converte. Carta muito marcante.

E também este trecho, muito importante:

“Temos em nós um lume natural, o qual Deus nos deu para que possamos discernir o bem do mal, a coisa perfeita da imperfeita, a pura da imunda, a luz da treva e a finita da infinita. Este é um conhecimento que Deus nos deu por natureza, e que experimentamos continuamente, por prova, que ele é assim. Mas vós me direis: ‘Se este conhecimento está em nós, de onde vem que nos apegamos antes à parte contrária à nossa salvação?’ Eu vos respondo que isso procede do amor-próprio, que nos encobriu este lume, assim como a nuvem encobre algumas vezes a luz do sol; de onde o nosso erro não é por defeito do lume, mas da nuvem. Ora, o livre-arbítrio toma cegamente daquelas coisas que são nocivas à alma, não daquelas que lhe são úteis. A alma, por natureza, sempre gosta do bem e das coisas boas; mas o seu erro está nisto, que, porque a treva do amor-próprio lhe tirou o lume, não busca o bem onde ele está. E então estas pessoas vão como frenéticas, pondo o coração e o afeto em coisas transitórias, que passam como o vento. Ó homem tolo acima de toda tolice, que buscas o bem onde está o sumo mal, e a luz onde estão as trevas, onde está a morte buscas a vida, a riqueza onde está a pobreza e o infinito nas coisas finitas! Mas estes não poderiam encontrar o bem procurando-o onde não está. Convém a eles que o busquem em Deus, o qual é o sumo e eterno Bem: e, buscando-o n’Ele, o encontraremos; pois que nosso Deus não tem em si nenhum mal, mas todo o perfeito bem. E Ele não daria a nós outra coisa que não o que Ele tem em Si, assim como o sol — o qual, porque tem em si a luz, não pode dar trevas. E assim vemos (se com este lume queremos ver) que o que Deus dá a nós, e nos permite nesta vida, que seja fadiga, tribulação e angústia, tudo contribui para nos conduzir ao Sumo Bem, e porque buscamos o bem n’Ele, não no mundo; porque neste [no mundo] ele não se encontra, nem nas riquezas, estado ou suas delícias; mas antes ali se encontra o amargor e a tristeza, e a privação da Graça para aquela alma que o possui [o mundo] fora da vontade de Deus (…)

“Convém portanto estimular este lume natural no desprezar o vício e abraçar a virtude; e com esse lume buscará o bem onde ele está. Buscando-o, o encontrá-lo-emos em Deus; e veremos o amor inefável que Ele nos mostrou por meio de seu Filho, e o Filho com o sangue derramado por nós com tanto fogo de amor.

“Com este lume primeiro natural, que é imperfeito, ganharemos um lume sobrenatural perfeito, infuso pela graça na alma nossa, o qual nos ligará na virtude: confirmado-nos em todo lugar, em todo tempo, em todo estado a que Deus nos conduza; de acordo sempre com a Sua doce vontade, a qual veremos que não quer outra coisa senão nossa santificação. O primeiro lume, estimulando-o, como dito foi, nos separa; o segundo nos liga, e nos une com a virtude.” (Santa Caterina da Siena)

Siena é muito mais do que isto. Não falei nada de São Bernardino, que pregava no Campo e atraía multidões, inclusive gente de outra cidade, difundindo o Sagrado Monograma. Ele nasceu no ano em que Santa Caterina morreu.

Penso que esta seja uma pintura muito sagrada. Titus Burckhardt dedica toda uma página de seu livro a reproduzi-la.

Graças à Virgem Santíssima, por nos ter permitido ir a Siena, sua cidade, duas vezes. Obrigado, Santa Caterina.

Santa Caterina e São Francisco de Assis são os dois padroeiros da Itália.